Desabafo [01]


            Renilto chegou a casa como de costume, já passava das 17 horas e minha mãe, Sandra, já tinha chego do trabalho, estava sentada em frente à televisão vendo e ouvindo a novela enquanto pintava as unhas dos pés e eu ao seu lado, assistia à novela dando mais atenção ao prato de cereais do que aos artistas que eu nem sequer sabia seu nome real, muito menos do personagem que estavam interpretando.
            Ele entrou pelo portão e brincou com meu cachorro, ele nunca brincava com meu cachorro e eu não gostava de ver aquilo, ele sempre maltratou meu animal e agora estava ali, passando a mão e falando coisas com uma voz fina, quase como uma criança – oi tia, oi Henrique – sentou no sofá de dois lugares e ficou em silêncio por algum tempo, assistindo a novela sem prestar atenção – tudo bem com as crianças Renilto? E a Rosana, já foi trabalhar? – ele disse que levou Rosana ao trabalho e que as crianças estavam bem, estavam em casa sozinhas assistindo desenho. Ele olhou pra mim com aqueles olhos tristes, era difícil dizer o que estava se passando com ele, mas eu sentia que ele queria dizer algo, conversar com alguém.
            Quando fui até a cozinha levar o prato de cereais, agora vazio, o ouvi dizer algo para minha mãe, eu fiquei com medo de voltar lá e o ver chorando, eu sabia que a relação entre ele e minha prima Rosana já estava há algum tempo em crise, mas essa foi a primeira vez que soube de algo diretamente dele – eu queria conversar com a tia, mas se não puder, eu venho outra hora – minha mãe disse para ele esperar um pouco. Voltei para a sala e me sentei no sofá, como antes – Henrique, guarda essa caixinha pra mim, lá no meu quarto – era a caixinha de esmaltes, tesourinhas, alicatezinhos, coisas de limpar e pintar unhas que tive que guardar e em seguida voltei para o sofá. A novela tinha terminado e agora estava passando o jornal das dezoito horas, eu gostava de saber notícias para ter assunto com pessoas mais velhas, mas minha atenção foi interrompida pelo Renilto – Henrique, você poderia nos dar licença, eu preciso conversar um assunto particular com sua mãe – eu olhei para minha mãe esperando ela dizer “pode dizer na frente dele, eu não escondo nada dele”, mas ela apenas ficou me olhando sem dizer nada. Deslizei para fora do sofá – – eu estava com cara de bravo, normalmente eu fazia um bico e tenho certeza de que ele estava lá quando eu saí da sala em direção ao meu quarto e bati a porta. Eu não gostava muito do Renilto e agora estava com uma raiva tão grande dele por ter me tirado de lá que me sentei de costas para a porta e fiquei abraçado com minhas pernas.
Não tive vontade de ligar o computador, muito menos de ler algum livro, coisa que eu geralmente fazia enquanto estava em meu quarto, peguei uma revista com muitas imagens e comecei a folheá-la sentado no meio da cama – ela deve estar com algum problema, você não pensou nisso... foi a voz de minha mãe chegando até mim, tentei ignorar a conversa, mas eu sempre estava entre mulheres e uma coisa que elas faziam e que eu gostava muito era de fofocar e o assunto que eles estava tratando era sim, uma fofoca para contar para alguém mais tarde – acho que não. Fui procurar ela outra noite e ele se afastou de mim... – estava falando sobre o quê? Adultos brincavam de esconde-esconde? Abandonei a revista e fui até a porta do meu quarto para ouvir melhor – ela diz que é muito grande, que machuca ela, aí eu desisto, não sei o que fazer – eles estavam falando sobre sexo, só podia ser sexo.
Voltei a me sentar na cama ao ouvir alguns passos no corredor, tilintar de copos na cozinha e alguém passando novamente – beba essa água, se acalme – era a voz de minha mãe novamente e ao fundo alguns leves soluços. Renilto estava chorando suas mágoas para minha mãe e pelo que eu tinha entendido minha prima não queria fazer sexo com ele – bem feito – o ouvi chorar mais uma vez e fique triste por ele. As pessoas se casam para ter uma vida feliz, minha prima se casou para ter uma vida feliz e estava tendo, mas ele, Renilto, que agora também era meu primo, não estava feliz, minha mãe não ia me contar aquilo mais tarde e nem nunca, aquilo eu ouvi por um acaso de curiosidade e me senti mal por ele.
Ouvi quando ele foi embora – tchau Henrique – gritou para que eu ouvisse do meu quarto, não respondi, eu ainda estava bravo por ele ter me tirado da sala, mas no fundo eu estava triste, ele parecia tentar resgatar a felicidade de volta, mas minha prima não facilitava, mas essa é a versão dele das coisas, não julguei, não me intrometi, apenas ouvi e vi tudo se enrolar e agora estou desenrolando.

Comentários

B. disse…
Esse é o boneco de madeira que eu quero.
B. disse…
E sim, comentei sobre o boneco porque não achei algo bom o suficiente pra comentar sobre o post. Você sabe que eu tenho o dom de estragar tudo (rindo nos momentos de tensão, é). E eu não queria deixar de comentar. That's all. Call me or text me. -A
HF. Nascimento disse…
Só de alguém ler eu já fico feliz e o nome "desabafo" não é por ser um desabafo meu, mas dele. Vou continuar escrevendo (ou não) sobre o que eu for lembrando, isso está me atormentando demais nessa semana, às vezes pode ser um desabafo meu, foda-se de quem é o desabafo de qualquer forma. Dei nome aos bois mesmo! Foda-se esse maldito!
B. disse…
Berenice, segura. Nós vamos bater. D: