Renilto
chegou a casa como de costume, já passava das 17 horas e minha mãe, Sandra, já
tinha chego do trabalho, estava sentada em frente à televisão vendo e ouvindo a
novela enquanto pintava as unhas dos pés e eu ao seu lado, assistia à novela
dando mais atenção ao prato de cereais do que aos artistas que eu nem sequer
sabia seu nome real, muito menos do personagem que estavam interpretando.
Ele
entrou pelo portão e brincou com meu cachorro, ele nunca brincava com meu
cachorro e eu não gostava de ver aquilo, ele sempre maltratou meu animal e
agora estava ali, passando a mão e falando coisas com uma voz fina, quase como
uma criança – oi tia, oi Henrique –
sentou no sofá de dois lugares e ficou em silêncio por algum tempo, assistindo
a novela sem prestar atenção – tudo bem
com as crianças Renilto? E a Rosana, já foi trabalhar? – ele disse que
levou Rosana ao trabalho e que as crianças estavam bem, estavam em casa
sozinhas assistindo desenho. Ele olhou pra mim com aqueles olhos tristes, era difícil
dizer o que estava se passando com ele, mas eu sentia que ele queria dizer
algo, conversar com alguém.
Quando
fui até a cozinha levar o prato de cereais, agora vazio, o ouvi dizer algo para
minha mãe, eu fiquei com medo de voltar lá e o ver chorando, eu sabia que a
relação entre ele e minha prima Rosana já estava há algum tempo em crise, mas
essa foi a primeira vez que soube de algo diretamente dele – eu queria conversar com a tia, mas se não
puder, eu venho outra hora – minha mãe disse para ele esperar um pouco.
Voltei para a sala e me sentei no sofá, como antes – Henrique, guarda essa caixinha pra mim, lá no meu quarto – era a
caixinha de esmaltes, tesourinhas, alicatezinhos, coisas de limpar e pintar
unhas que tive que guardar e em seguida voltei para o sofá. A novela tinha
terminado e agora estava passando o jornal das dezoito horas, eu gostava de
saber notícias para ter assunto com pessoas mais velhas, mas minha atenção foi
interrompida pelo Renilto – Henrique,
você poderia nos dar licença, eu preciso conversar um assunto particular com
sua mãe – eu olhei para minha mãe esperando ela dizer “pode dizer na frente
dele, eu não escondo nada dele”, mas ela apenas ficou me olhando sem dizer
nada. Deslizei para fora do sofá – tá
– eu estava com cara de bravo, normalmente eu fazia um bico e tenho certeza de
que ele estava lá quando eu saí da sala em direção ao meu quarto e bati a
porta. Eu não gostava muito do Renilto e agora estava com uma raiva tão grande
dele por ter me tirado de lá que me sentei de costas para a porta e fiquei
abraçado com minhas pernas.
Não tive vontade
de ligar o computador, muito menos de ler algum livro, coisa que eu geralmente
fazia enquanto estava em meu quarto, peguei uma revista com muitas imagens e
comecei a folheá-la sentado no meio da cama – ela deve estar com algum
problema, você não pensou nisso... –
foi a voz de minha mãe chegando até mim, tentei ignorar a conversa, mas eu
sempre estava entre mulheres e uma coisa que elas faziam e que eu gostava muito
era de fofocar e o assunto que eles estava tratando era sim, uma fofoca para
contar para alguém mais tarde – acho que não. Fui procurar ela outra noite e
ele se afastou de mim... – estava falando sobre o quê? Adultos
brincavam de esconde-esconde? Abandonei a revista e fui até a porta do meu
quarto para ouvir melhor – ela diz que é muito grande, que machuca ela,
aí eu desisto, não sei o que fazer – eles estavam falando sobre sexo,
só podia ser sexo.
Voltei a me
sentar na cama ao ouvir alguns passos no corredor, tilintar de copos na cozinha
e alguém passando novamente – beba essa água, se acalme – era a voz de minha mãe novamente e ao
fundo alguns leves soluços. Renilto estava chorando suas mágoas para minha mãe
e pelo que eu tinha entendido minha prima não queria fazer sexo com ele – bem feito – o ouvi chorar mais uma vez
e fique triste por ele. As pessoas se casam para ter uma vida feliz, minha
prima se casou para ter uma vida feliz e estava tendo, mas ele, Renilto, que
agora também era meu primo, não estava feliz, minha mãe não ia me contar aquilo
mais tarde e nem nunca, aquilo eu ouvi por um acaso de curiosidade e me senti
mal por ele.
Ouvi quando ele
foi embora – tchau Henrique – gritou
para que eu ouvisse do meu quarto, não respondi, eu ainda estava bravo por ele
ter me tirado da sala, mas no fundo eu estava triste, ele parecia tentar
resgatar a felicidade de volta, mas minha prima não facilitava, mas essa é a
versão dele das coisas, não julguei, não me intrometi, apenas ouvi e vi tudo se
enrolar e agora estou desenrolando.
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