Desabafo [02]



            Na época eu estava fazendo um curso básico de espanhol, que ao lembrar dele hoje percebo que não aprendi tudo o que eu queria ter aprendido, e sempre que eu voltava para casa ia visitar minha prima Rosana e brincar um pouco com meus outros primos, filhos dela – que eram três.
            Assim que subi na calçada sua vizinha e cunhada (esposa do irmão de Renilto) veio me cumprimentar, estava fedendo a álcool, devia ter acabado de voltar do bar, me desviei dela sem dizer nada e entrei na casa de minha prima e me deparei com ela sentada em frente ao computador, parecia sofrer – oiê – era meu cumprimento para quase todos – Henrique, pelo amor de Deus, me salva, vem ver isso – joguei minha bolsa em seu sofá e me sentei no braço do mesmo, já que o computador ficava ali na cozinha-sala dela – quem morreu? – ela me deu um tapa no ombro e apontou para a tela da máquina – eu instalei esse negócio de bate papo aqui, mas não sei adicionar as pessoas, você sabe pra me ensinar? – era um bate papo comum, eu tinha uma conta nele e era fácil de fazer. Expliquei pra ela com detalhes e sua atenção presa a mim me fez sentir vontade de dar aula sobre aquilo para sempre – ah, entendi, obrigada. Vou te adicionar também, já me fala seu e-mail – passei meu e-mail para ela e fui adicionado, no mesmo dia eu a aceitei assim que cheguei em casa.
            Atravessei a cozinha-sala e me sentei na cama dela, era um quarto-sala (a casa só tinha três cômodos, uma sala-cozinha – com eletrodomésticos, mesa e sofá – e um quarto-sala – com camas, guarda roupas e televisão – e o banheiro), fiquei esperando meus primos chegarem, eu devia ter passado na escola deles e esperado, a escola deles era próxima da minha, mas já que eu estava ali esperaria por eles. Fiquei assistindo a videoclipes em um dos únicos canais que pegavam bem e fui interrompido por ela me oferecendo bolo – deixei em cima da mesa, come – me levantei e fui até a cozinha-sala, cortei um pedaço do bolo de cenoura com cobertura de chocolate e coloquei em uma tigela limpa que estava próxima a ele, ouvi o barulho comum de alguma pessoa enviando uma mensagem por aquele bate papo, eu detestava aquele barulho, mas a casa não era minha, muito menos o computador, olhei de relance para o monitor e vi que ela conversava com um rapaz, não consegui enxergar seu nome, mas eu tinha certeza de que não era Renilto, era outro homem e esse eu não conhecia.

            As crianças chegaram quando eu tentando identificar o rapaz com quem minha prima conversava, não consegui ler seu nome, muito menos as conversas que a faziam rir tanto, acho que ela tinha até esquecido que eu estava ali – riqueeeeeee – gritaram os três juntos, menos o João Victor que ainda não falava muita coisa além “ik”, abracei a todos ao mesmo tempo e coloquei bolo nos pratinhos para eles comerem junto comigo (eu já estava no segundo pedaço). Fomos todos para o quarto-sala e sentamos na cama de casal para ver o filme do “Homem Aranha” pela trigésima vez, eu não me cansava e muito menos eles. João logo dormiu, mas Gabriel e Thaila permaneceram acordados junto comigo até o final do filme. Rosana tinha ido ao mercado comprar carne para o jantar e eu fiquei ajudando as crianças com seus deveres de casa. O sol já estava se pondo eu tinha que ir para casa... A pé – espera mais um pouco, o pai já vai chegar, ele te leva – Renilto tinha uma moto, era veloz e bom motorista, mas eu não queria ir com ele – não, não, eu tenho que ir já, tenho que fazer minhas tarefas também - eles fizeram bico, mas eu tinha mesmo que ir, minha mãe devia estar preocupada.
            Coloquei minha bolsa nas costas e escolhi uma roupa para o primo Gabriel tomar banho antes que ele dormisse antes do jantar – tchau Biél – ele me abraçou e entrou no banheiro, me sentei no sofá que tinha do lado de fora da casa deles e Thaila sentou-se ao meu lado – Rique, fica mais um pouco, o pai vai chegar e ficar brigando com a mãe, se você ficar aqui eles não vão brigar – isso era verdade, os dois sabiam lavar a roupa suja em casa, mas também sabiam disfarçar, às vezes – eles ficam brigando na frente de vocês? – ela fez que sim com a cabeça – meu Deus, pede pra eles deixarem vocês dormirem em casa, daí eles podem fazer as pazes logo – eu tentei ser positivo, mas ela era uma criança e eu também – a mãe não vai deixar. O pai quer jogar o computador fora, mas ela não deixa – estava começando a virar um problema aquele computador – não fica triste não, brigar é normal – eu menti, nunca gostei de brigas, mas foi preciso mentir – agora eu tenho que ir, fala pra sua mãe que quinta eu passo aqui depois do espanhol. Tchau – abracei ela também e sai, João tinha acordado e Rosana já voltava do mercado, não esperei, apenas caminhei para minha casa enquanto a imagem daquele rapaz ficava em minha cabeça. Será que eu o conhecia? Era algum parente distante? Um colega de trabalho dela, talvez?

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