Primeiro Dia


Voltar às aulas causa tremor nas entranhas de qualquer aluno quando ele já sabe o que lhe aguarda, mas uma vez que se retornam às aulas, em um Colégio qualquer, a ansiedade em saber 'com quem eu vou sentar' durante as aulas é grande, sem contar o 'será que meu amigo vai estudar aqui esse ano' e o 'espero que não seja o professor fulano de novo'. Na faculdade podemos saber de todas as coisas em um breve Gossip Time (momento fofoca) para se atualizar sobre quem mudou de Instituição, quem ainda acha que está de férias (retornando depois do feriado do Carnaval) e quem reprovou ou desistiu. Toda a ansiedade na espera de novos amigos não é tão forte, para mim não foi, por já saber quem vai retornar e quem saiu (pelos menos os que eu pouco conversava pude saber, já basta) e no máximo pude me dar ao luxo de ansiar em conhecer um ou outro professor que, apenas talvez, tenha ouvido falar algo sobre ele.

Me lembro da primeira vez que fui à escola, sem contar a maldita pré-escola (que considero inútil dentro de uma Escola Municipal). Minha mãe nunca gostou da ideia de eu deixá-la para ficar longe, tinhamos chegado a pouco tempo à 'cidade' e eu ficar com ela em seu trabalho era mais tranquilizador do que deixar em uma escola com desconhecidos, mas ela teve que ceder, sabia que tinha que o fazer. Minha babá, de quem me lembro e sempre a vejo atualmente, que me levou. Não segurou em minha mão para atravessar ruas nem nada, ela andava e conversava com sua irmã enquanto seu filho irritante ficava contando como era a primeira série agora que já estava na segunda. Eu acabei o passando quando ele chegou na 5ª e empacou por três anos. Eu não me lembro de tremer, mas queria conhecer gente grande (professores) e foi o que aconteceu quase no fim do dia. Deixei minha bolsa azul e roxa (não davam bolsas nas escolas municipais) no chão enfileirada assim como faziam todos os outros e fui me sentar até tocar o escandaloso sino, que não demorou a soar. Corri para a fila para cantar o hino nacional (todas as segundas teria hino pelos próximos quatro anos em que estive lá) e detestei segundas e o hino desde então. A professora não era simpática, tentava, mas não era. Não demorou para ela virar um dragão dentro da sala ao segurar forte o braço de um ou dois alunos que não se sentavam quando ela mandava e isso foi o bastante para me fazer pedir para ir ao banheiro (eu conversava com coleguinhas, mas primeiro o banheiro).

Foi nesse momento pós alivio que encontrei a bibliotecária. Nada rude, nada amedrontadora. Não me lembro de seu nome, mas ela era tinha um pouco mais de gordura que os demais seres humanos. Conversei um pouco sobre o primeiro dia, que eu estava com medo e ela até segurou minhas mãos frias e nesse momento me indicou um livro, um dos novos que acabava de digitar no seu imenso computador "tome cuidado" disse e completou "é novo". Não foi o primeiro livro que li, mas ela me deixou ficar ali quando a professora saiu para me buscar e repeti aquilo durante o resto da semana. No horário de intervalo (recreio) eu ainda ficava lá dentro (sem deixar ninguém entrar) e lia alguns livros da Ruth Rocha (me lembrei da autora, rs). Na semana seguinte eu já entrava na sala com os outros e ficava até o fim da aula, assistindo-a por completo e reforçando o coro ao ler o alfabeto gigante colado acima do quadro negro.

É uma nostalgia mágica se lembrar dessas coisinhas que eu sei que nunca mais vou ter. Sempre disse que não queria crescer (depois de conhecer o Peter Pan) quando todos os colegas diziam que queriam ser adultos para namorar, casar, ter dinheiro, fama e entrar em festas de adulto. Nunca quis isso, que bosta! Eu me divertia mais quando não havia preocupações sobre 'meu professor novo irá pegar leve' e ainda 'ficar de dependência, hell no!'. O primeiro dia de aula não vai se repetir, posso ter outros primeiros dias de outras aulas, com outras pessoas, outras idades da minha vida, mas aquele primeiro dia nunca será igual e por mais que eu não lembre do nome da bibliotecária que aliviou meu nervosismo com livros, ela pode saber que me fez um grande bem que continuei praticando.

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