O sol entrou em minha janela acolhendo meu corpo, me esquentando além do cobertor com quem eu sempre durmo abraçado. Acordar não é fácil quando se tem afazeres. As coisas que se passaram em minha cabeça se dividiam em ir ao banheiro, ver a mensagem que havia apitado pouco antes de ir dormir e algumas atividades da faculdade que eu teria que fazer se quiser manter minha bolsa integral.
Foi o telefone quem me tirou da linha entre o mundo dos sonhos e o mundo real. Aquele barulho ensurdecedor ecoou dentro de minha cabeça, sacudindo-me por dentro a ponto de me fazer gritar para que parasse, se eu estivesse um pouco mais acordado. Levei meu braço ao aparelho e o puxei até meu ouvido, vendo o fio espiral balançar enquanto eu dizia "alô". Era meu pai. Iria viajar e estava me comunicando sobre o fato - iria ver minha avó, sua mãe, que eu sempre pedia para me avisar com antecedência sobre visitá-la para eu vê-la também, mas ele nunca fazia isso - fiz que sim com a cabeça para suas explicações, que me deixaram um pouco bravo, e desliguei sem dizer o que realmente queria dizer sobre o fato. A mãe era dele, isso eu entendia, mas eu era seu filho e por mais que eu estivesse sem dinheiro no momento, eu gostaria de cogitar a ideia de uma visita.
Me virei de costas para o telefone, agarrando novamente meu cobertor, mas sem dormir. Eu devia me levantar e arrumar a cama, mas fiquei ali, olhando para a parede azul - o meu azul - até minha mãe perguntar quem era. Lhe contei sobre a ligação e ela se foi. Eu devia levantar, não iria conseguir dormir novamente agora que meu cérebro já estava desperto. Acordei.
Arrumei a cama. Liguei o computador. Busquei com os olhos meus chinelos, sem encontrar, e caminhei pelo chão gelado até o banheiro - que fica ao lado do meu quarto. Segui o ritual matinal de espremer o tubo de creme dental sobre minha escova, a molhei e enfiei em minha boca sem pensar em obscenidades - eu pensava em obscenidades pela manhã - criando aquela espuma, com gosto adocicado e ardente, ao redor de meus dentes. Depois lavei meu rosto e me olhei no espelho. Nenhuma palavra me veio em mente. Meu rosto parecia brilhar de tanta oleosidade, deveria me limpar com um algodão banhado em um produto químico do mundo da estética, mas não o fiz.
Voltei para meu quarto. O computador pedia uma senha e digitei uma das palavras que eu mais gostava, por mais que o significado fosse bobo, para mim era divertida. Procurei um cantinho, online, onde eu poderia escrever sobre estar magoado com a viagem do meu pai sem se importar se eu queria ir. Aquilo estava começando a me chatear. Os efeitos sentimentais sempre chegavam de forma lenta até mim, mas isso não me impediria de continuar a viver. Abri a página com um espaço em branco para descarregar reflexões sobre família, afazeres, viagens e saudade, mas não o fiz. O sentimento triste já não estava mais em mim e toda a ideia de falar sobre o que queria falar não passou de uma descrição sobre o meu dia até ali. Que inútil.
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