Um estranho no terminal

A caminho do trabalho há um lugar em especial, que de especial só tem a função, em que tenho a obrigação de passar todo dia - exceto domingos e feriados, obrigado - e há quem diga que seja o ponto alto da cidade piada. Conheci esse ser humano no terminal e adianto que não puxo conversa com estranhos. Se o estranho puxar conversa comigo eu ficarei contente em manter, evitando a má educação de ignorar de imediato. É difícil começar, mas é tranquilo continuar, me sinto simpático nesse estado de "conversando com estranhos". Vamos voltar ao meu amigo "imaginário"...

Grande. Corpulento. IMENSO. Quando ouvi sua voz não olhei diretamente em seus olhos, mas em seu peito achando que seus olhos estariam lá - uma pessoa de altura próxima ao padrão teria os olhos por lá. Já gostei dele por ter presença de palco. A pergunta que me fez: "desculpa perguntar, mas o que está lendo?". Não fechei o livro que lia, sinal de que a conversa seria rápida, se fosse eu o responsável por administrá-la, o encarei para verificar se ele saberia ler ou não fazendo como de costume, após olhar em seus olhos, virando a capa do livro para que ele pudesse ver o título do livro - Stephen King, a biografia (Lisa Rogak) - e assim que ele leu, se é que realmente leu - fiquei em dúvida, pois nem comentou nada - se sentou ao meu lado no banco azul que gritou sob ele. Pobre banco. A conversa continuou (comentários pessoais entre parênteses):

- Sabe, é muito bom ler. Eu leio todo dia!
- É!?
- Sim, eu gosto muito de ler, vou na biblioteca municipal todo dia para ler um pouco e ficou lá um tempão.
- Legal.
- Você está estudando? É claro que está, você está lendo. Que curso você faz?
- É leitura por diversão, não profissão. Administração.
- Certo, certo. Estuda onde?
- *tal lugar*
- Hmm, lá é muito bom e caro também.
- Eu não pago (tenho tanto orgulho de dizer isso)
- Quem trabalha lá não paga?
- Paga metade, mas eu ganhei uma bolsa para estudar lá (orgulho²)
[nesse trecho ele citou outras faculdades e o benefício de estudar e não pagar em alguns lugares que conhece]
- Hmm, bom, muito bom. Eu estudei já, sabe!?
- É?
- Sim. Sou torneiro mecânico, mas formado em Economia (admiro economistas, são meus filósofos).
- E trabalha nessa área? (já ia pedir o contato pra fazer amizade, pedir conselhos, bater um papo)
- Não. Fiz economia pra paquerar uma garota, sabe!?
- Ah!
- No fim não deu em muita coisa, foi um namorico rápido.
[...]

Daqui em diante começou a falar de mulheres e pessoas com vida de alto padrão na cidade, em resumo: dos ricos da cidade que têm empresas de nomes conhecidos e o grau de parentesco que ele tinha com uma dessas pessoas. E o grau de parentesco que os maridos e esposas vinculados a sua família têm com tais pessoas. Ficou chato. Não gosto de ostentação em nome de outros e logo ele finalizou seu assunto se pondo de pé, apontando para uma barraca de revistas, comentando o valor aproximado do valor que o dono da banca ganhava em um mês, e saiu caminhando com sua camisa de listras azul bebê e branca, shorts escuro, uma sacola plastica na ponta dos dedos e talvez uma sandália de Jesus -. Em minha memória ele fica melhor de sandálias. Só o vi novamente quase um mês depois, fazendo o mesmo caminho e começando o assunto com a mesma pergunta. Respondi como se não o conhecesse (o livro já era outro) e o assunto se desenvolveu até a pergunta "que curso você faz?" em seguida se foi dizendo "estude mesmo, isso aí, muito bom" caminhando com suas sandálias que podiam muito bem ser tênis. Nunca mais o vi, um estranho com a melhor pergunta introdutória do mundo.

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